quinta-feira, 15 de maio de 2025

Belém: O lado obscuro da COP30

Por  Brenda Takeda 

Escolhida como sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-30), Belém do Pará é palco de mais de 30 obras realizadas a toque de caixa e enfrenta o dilema entre perpetuar velhos modelos que beneficiam a especulação imobiliária e o racismo ambiental e preparar de fato a cidade para os desafios do presente e do futuro.  Leia a íntegra no Outras Palavras

A COP na taba

Fonte: Carpinteiro da Poesia

A COP conseguirá superar o patamar de balcão de negócios ou o status de perfumaria para as grandes corporações surfarem e venderem a imagem de bom samaritano??

O paradoxal estado do Pará – tão rico, tão empobrecido – possui mais da metade da população na linha da miséria, outra parcela defende o almoço no mercado informal, cidades desprovidas de saneamento básico, oligarquias imperam no comando político, ratos e urubus na fantasia.

Pilhado e saqueado desde remotas eras pelos mais diferentes sujeitos nacionais e das cadeias globais, o Pará notabilizou-se mundialmente pelo assassinato de indígenas, quilombolas, camponeses e seus pares. É mister em desmatamento, por longo foi top em trabalho escravo e espancamento de servidores da Educação, a indiferença às periferias ou a criminalização delas.

Crimes ungidos pelo manto da impunidade, em um ambiente onde a “puliça” faz par com milícias.  Colocando sob o tapete dos palácios de salões de cafés (cofre break, como preferem os cerimonialistas) tais temas, a COP não passará de mera perfumaria.  

Longe de palácios, catedrais e carnavais da Sapucaí, os colocados em condições de subalternização promovem levantes, a exemplo do que fizeram os indígenas, quando das medidas autoritárias do governo Barbalho e seu secretário de Educação.  Nesta direção, um coletivo do bairro da Marambaia promoveu um gira para prosear sobre bendita COP.

Espie aqui o primeiro comunicado.


terça-feira, 13 de maio de 2025

Arreda homem, que lá vem mulher

Fonte: Hector Carybé. Redes sociais

Ri em êxtase.  Está feliz. Baila nua. Um “padede” ao tucupi. Esfuziante. A rodopiar sem a saia do carimbó. No entanto, a simula.  Ri, ri e ri sem cessar.  A padilhar sem atabaque, agogô, ganzá ou um ponto.  A menina dança.

O corpo preto gira sem se cansar. Pés descalços.  O corpo boleado cheio de felicidade só quer celebrar.  O corpo feliz espanta banzo. Exalta o amar. Como se o amanhã não fosse nascer, os rodopios insistem, qual pião, em sentido anti-horário. Abre caminho na encruza. Nijra. Ciata. Patchouli.

As mamas turgidas implicam com a gravidade. Redondas, tal um pão de queijo, as nádegas entopem o cômodo de cio. A vencer todo e qualquer tormento e as águas turvas.  Uma graça.  Grávida de riso, ela ri, ri e ri.

A menina dança. O mundo para. Ela é toda alma. Ela é toda corpo. Corpo e alma. Encantes a vibrarem por todo canto. Terra, floresta, rios e cios. Oxum na cachoeira. Sentada, enquanto a menina gira. Padilha.

Um turbilhão. Uma tempestade. Apoteose. Psicose em transe em forma de gente. Deus e o diabo no mesmo corpo-alma.  Sob o sol ou a chuva, a menina dança. Por entre as rosas, ventos e espinhos das veredas da vida. No balancê do baque solto da alfaia. Maracatu de mais de tonelada.

A menina...em espiral....vibra em riso para o tambor sob a luz do candeeiro...limpo o terreiro eh..limpa o terreiro ah....

oh como ela é linda, é linda demais...não mexe com ela...abre a roda....deixa a menina...ela tem peito de aço e o coração de sabiá...oh abre a roda...que ela não mexe com ninguém.... oh arreda ..que lá vem mulher...encantada...senhora da magia...lavanda em flor...gira, gira, gira, oh girandola.....riso e pólvora. Dói, dói, dói...um amor faz chorar, dois faz sofrer...navalha na carne, regalo. 

quinta-feira, 8 de maio de 2025

A viagem na nave Cidade de Oriximiná

 


Alenquer. É maio. Ainda chove. As águas estão altas. Em Santarém pareia o asfalto. A lua em quarto crescente a tudo espia. A rede é a acomodação do navio. Ganchos de ferro facilitam a operação de armar. Antes era necessário o uso de cordas.

Até 1h aportaremos em Santarém. Quatro horas dura a viagem nesta modalidade de nau. O veículo saiu 20h30. Cidade de Oriximiná é o nome da nave. Seu Luís é o responsável. Os  irmãos Aquino (Tomás e Rubens) os proprietários. Ela carrega gentes e cargas. R$50,00 é o preço da passagem no Cidade.  Caso fosse ferry boat seria R$50,00 ou R$40,00, a depender do ferry. Ele carrega além de gente e cargas, automóveis.

No caso da lancha, a viagem nesta época do ano dura duas horas ao preço de R$80,00 a passagem. A lancha é de fibra. Infelizmente deixaram de negociar cerveja. A saída é abastecer o bucho na plataforma de embarque e mocozar pelo menos uma garrafinha na boroca. As embarcações tradicionais deixaram de circular faz uns cinco anos. As talhadas na madeira.

O Cidade de Oriximiná possui três andares. É imponente. É de ferro. O último acomoda o bar. Sofrência é a trilha sonora. Pablo na veia. No último volume. Um jogo de luz enfeita o teto. Ao canto um casal em chaveco. Bichos de luz simulam pilotos kamikaze. Periga chover. Quando isso ocorre uma lona socorre.

Uma senhora atende na cantina. Além de breja, negocia água, refrigerante, biscoitos...10 "real" o serviço de nete. Venta forte. Assanha alegrias e tristezas. Só não tira a lua do lugar. O trem é de ferro e você não avisou que estava passando pelo meu coração só de visita ...verso de alguma canção.

Uma jovem clara, cabelo tingido em amarelo em trajes inadequados para o vento frio atende as poucas mesas. Ela usa um short claro onde é possível avistar as figuras de  joaninhas da calcinha. A blusa negra  não alcança o umbigo. Desprovidos de corpete, os seios sacodem ao rebojo das águas. Venta frio. Ar de chuva.

Um senhor negro a corteja. Paga lanche, um misto e brejas. Parece eufórico. Usa tênis, calça jeans e camiseta. Vez em quando grava um áudio no celular. A depender da canção, a moça simula uns passos. Faz charme. Espia de soslaio para se saber notada. 

A lua em quarto crescente reflete no rio. A sofrência troa em elevado volume. Quem é de dormir, dorme. Quem não é flutua entre os pisos da embarcação. Os conhecidos do trecho confraternizam.

Uma trupe parece parte da tripulação. Misturam refrigerante com algo mais porrada: pinga ou conhaque. A outra turma checou as passagens. Eu dei carteirada. Cego não tá nem vendo. Mas, enxerga na escuridão, acredita o poeta.  As luzes ficam apagadas no redário.

O céu é puro breu. Pontos de luz distantes sinalizam a cidade. Uma embarcação desponta ao léu. Uma grande, outra miúda. O vento ressoa no oco do ouvido. A sofrência insiste. Uma assombração. Reclama um coracão jogado de cima do muro.

A jovem da quitanda da nave inicia os serviços. Ataca uma cerveja barata. Uma lata alcunhada de periguete. Alguns tripulantes fazem a segunda voz do Pablo. Talvez seja efeito do conhaque. Um manga do outro. Ri..zomba..quizomba...

Após uma overdose de Pablo, alguém reclama Zé Ramalho. Ufa...Chão de Giz. Único tiro curto a gente pinta o sete em exíguo tempo. Em outro extremo do terceiro piso um jovem esquálido não aparta do aparelho de celular.

A canção de Rossi domina a atmosfera. A Raposa e as Uvas. As luzes da cidade soam mais próximas. Noutro momento distantes... garçom, aqui, nesta mesa de bar....as estrelas do céu parecem mais perto.

Agora, nada mais, nada menos que Dalziza. A mulher que não tem coração. A destruidora dos corações dos peões do trecho.”Me iludiu pra roubar o meu dinheiro/Só pra depois ela me deixar na mão”, Julio Nascimento a entoa.

Leidiane rivaliza em maldade com a Dalziza.  Leidiane gastava o dinheiro que Nascimento ganhava no garimpo com outros homens no cabaré.  Apesar da judiaria, ele reclama a presença da musa e jura a ela perdão pela maldade que cometera: “Lidiane, Leidiane, meu amor/Leidiane, eu te quero, you my love/Leidiane, eu te peço pra você voltar/Ah volte meu bem que eu sei que vou te perdoar”.

“Bebo, eu bebo mesmo. Eu boto é pra beber. Ah, como os amigos eu bebo com prazer”, sugere a canção. Em algumas quebradas e momentos é a única possibilidade de transcendência. “bebo, eu bebo mesmo”....

 

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Trairão, pequeno registro

 

Trecho da BR 163, Trairão/PA.

Traíra é peixe de escama. Comum em açudes, lagos e rios. É um bicho territorialista. Tal Batman, devota a escuridão. É considerado inadequado para piscicultura. Traíra ou trairagem nomeia modus operandi na cena política nacional.

Neste horizonte – abundante fauna -, entre outros, Eduardo Cunha, Arthur Lira e Michel Temer encarnam a excelência da espécie. Contudo, Trairão é uma pequena cidade na BR 163, no oeste do Pará. Longe de palácios, catedrais e carnavais. Mas, no caminho do Mato Grosso.

O município é um desdobramento da colonização espontânea nos anos de 1970. Apogeu da ditadura civil-militar. A cruzada fez a fortuna de poucos. Atividades no setor madeireiro, da agricultura, da pecuária e em garimpos conformam a história da cidade. O nome resulta de uma pesca no rio Itapacurá, quando um morador pescou um traíra de 40 quilos. Praticamente, um senador em terceiro mandato.  Assim explica o site oficial da prefeitura.

A cidade é entrecortada por inúmeras unidades de conservação. Como boa parte do estado, a fronteira encarna um quadrante de conflitos. Comenta-se que impera por estas lonjuras a tendência obscurantista e negacionista. Ainda hoje há gente que não toma vacina acreditando que vai virar jacaré. E, por falar no animal, ele nomeia um hotel e um balneário.

Reclame do balneário Jacaré. Ponto de parada dos ônibus. Fonte: T.C Esteves

Quando da ação conjunta de ruralista em prol da destruição da Amazônia, que ficou conhecida como Dia do Fogo, em agosto de 2019, Trairão integrou o consórcio de devotos pela piromania, que teve como epicentro a cidade de Novo Progreso, ainda no estado do Pará, na fronteira com o Mato Grosso. 

Ombrearam o transloucado gesto ruralistas das cidades de Itaituba, Altamira, Jacareacanga e São Félix do Xingu, este reconhecida pelo retumbante rebanho bovino. Há mais boi na cidade que gente. Nestas paragens, onde o quadrúpede abunda, ponteia desmatamento, violência e grilagem. A bandidagem é a ordem. Marcada a ferro e fogo.

O governo federal daquele contexto chancelava tais despautérios (Bozooesfera). O próprio ministro do meio ambiente declarou desconhecer Chico Mendes e que era chegada a hora de passar a boiada de baciada. Ele advogava a desregulamentação do setor ambiental em massa. Uma franco e generoso favorecimento ao capital. Pilares neoliberais ao estilo Haeyk, Tatcher e Reagan. Uma guerra contra o estado de bem estar social, a democracia e à sociedade.

Trairão é minado chão. Trata-se de um delicado espaço, agora mesmo acabaram de assassinar um dirigente camponês em Anapu. Um dia após a passagem do Massacre de Eldorado. Foi justo em Anapu que grileiros executaram a agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a missionária Dorothy Stang em 2005. Um senhora de mais de 70 anos, que media metro e meio.

Nestas distâncias tudo é puxado. A intercorrência do serviço de internet impediu a atualização do transcurso entre Santarém/Trairão a todo instante. No entanto, conseguimos alcançar o ermo lugar. O corre durou umas 7h. Rango em Rurópolis. Comida na BR é sempre um desafio. É onde os fracos não têm vez.

Buracos dominam a estrada. E, mesmo um afundamento grave em Santarém, ainda no perímetro da Floresta Nacional do Tapajós. Talvez provocado pelos rios. Teria sido um erro de cálculo de engenharia? Teriam desprezado a força das águas quando das chuvas? O Batalhão de Engenharia de Construção (BEC) do Exército tem sido o responsável pelo abacaxi desde remotas eras.

A mesma situação se repetirá na entrada de Rurópolis. Este é quase um patrimônio histórico. Um arremedo que reclama remendo a todo momento.  Ainda chove. O fluxo de carretas bitrem é intenso. O asfalto não resiste. Algum asfalto resiste ao intenso fluxo destes monstrengos?  

Em Trairão é comum os motoristas estacionarem os veículos na própria BR. Ocupam as duas vias. Fora da lei? Ah, Caetano, quando o império da lei triunfará em terras do Pará? Pelo andar da boiada, nem a COP ajudará. Barbada. Barbalhadas. 

Mata-se por muito. Mata-se por nada. Mata-se de fome, injustiças, miséria, faca, bala, desvios de verbas, malária e raiva. Até por derrota do Remo ou Paysandu. Melancolias ao tucupi com pitadas de areia. 

O busão lotado possui como destino final Porto Alegre, Bah! É feriado. Os espaços dos primeiros assentos são deveras acanhados. Viajamos bem apertados. Assim como o trecho da Transamazônica entre Rurópolis e Uruará, o que corresponde entre Rurópolis/Trairão, pela BR163, desconhece asfalto.

Parte da rodovia foi concedida para a Via Brasil. É o trecho menos ruim. A parte desprovida de calçamento torna a viagem mais lenta e perigosa. Na rodoviária de Rurópolis avistei uma sede de uma rádio comunitária. No século passado havia um pulsante movimento na Transamazônica. Era recorrente a PF lacrar as emissoras e tomar os equipamentos. Uma ação demandada pelas grandes corporações do País. Anos do governo do professor FHC.

Em Trairão impera um deserto de notícias. Não há rádio, TV, jornal, site ou blog. Assim reporta matéria da Agência Pública produzida por Rubens Valente e José Cícero, no fim do ano passado. Nesta latitude grupos de aplicativos de mensagens prosperam. Uma ação que gera um punhado de querelas pessoais, econômicas, amorosas e políticas. Tem gente sequelada no hospital e o algoz a usar tornozeleira. É poeira, é tiro, é  porrada e carretas a perder de vista.

Somente uma operadora de celular funciona a contento. Já imaginou se todas tivessem um bom desempenho? A depender da região do estado, sempre há variações. Nestes dias a cidade tem padecido de constantes quedas de energia elétrica. Uma rotina. Copiará os apagões de São Paulo?

Trairão é um traíra grande, o que contrasta com a miúda cidade, que beira a casa de 15 mil habitantes distribuídos em 12 mil km ², carentes de inúmeros serviços e os parcos que que possuem podem ser catalogados como precários. Na segunda feira de feriado não havia nenhum espaço de refeição ou lanche aberto. Oxalá o supermercado funcionava. Nele pegamos breja e água. Nesta ordem.  Um pastel de feira socorreu a broca.

Não há serviço de aplicativo de transporte. Todavia, três taxistas prestam o serviço. É fácil encontrar algum no local onde os ônibus param, assim como mototaxistas. Não há rodoviária.

Em peregrinações em busca de um rango foi possível avistar casas em morros. Impossível não lembrar favelas do Rio de Janeiro. As casas são grandes, onde impera uma arquitetura de madeira. Nestas andanças por entre as lonjuras deste mundão amazônico emerge uma interrogação: é plausível denominar/classificar tais aglomerados forjados a partir da força bruta do capital como cidades?

Na rodovia motoqueiros/as ignoram o uso de capacete. Lá pelas tantas, após mais uma queda de energia, uma carreta de festa cruzou o horizonte. Dessas carretas cheias de luz de led a executar pancadões.

Em tardes modorrentas, cães latem ao longe, enquanto moradores proseiam nas portas das casas.

Ah Gabriel Garcia Márquez, Ah Sérgio Leone e irmãos Coen.


domingo, 20 de abril de 2025

Corpo sem vida

 

Fazia alguns dias, o corpo jazia sobre a laje fria. Por entre empoeiradas caixas de recortes de notícias antigas, resguardadas por grossas cortinas de teias de aranha. Relíquias inúteis de vidas pretéritas. Malas de viagem entupidas de vazios. Ferro e tábua de passar roupas, cristaleiras, cômodas, quinquilharias de ginástica, pipas, algodão, tubos de linha e roupas de banho. E, ainda um pequeno sofá antigo, suporte de colchão, abajures desmantelados e alguns sacos de trigo de 60kg.

Jazia o corpo sobre laje fria, fazia uns dias, vigiado por amores mofados do último feriado o corpo desprovido de vida. Entre gavetas e mais gavetas de mágoas e pororocas de tristezas diante de solo de violinos de rancores, rangeres de ódios e melancolias. Ruídos de solidões dos porões de tumbeiros e o latido dos cães de rua.  Procissão de desvalidos em marcha lenta.

Em um cômodo acanhado o corpo foi encontrado. Fundo de casa. Fundo d´alma, fundo do poço sem fundo.  Não estava em decúbito dorsal. O peito apontava para o céu. Como a reclamar prece, oferenda, afeto, xodó, um ebó, um gostoso beijo e bom sexo.

O corpo sem vida coleciona muitas vidas. Ali, solitário, sobre a laje fria, ninguém jamais cogitaria. Imaginaria algum vestígio de riso ou alegria. Jazia o corpo por entre traças de tumores de esquizofrenia. Rascunhos sem valor de esboço de poesias. Augusto, anjo sem corpo. Alma em formol. 

terça-feira, 15 de abril de 2025

Alenquer em julho

 

Alenquer. Julho. O calor exaure a fração de vigor. Na rua em que estou alojado um senhor faz plantão diário na porta da casa, onde o esgoto viceja. Será dele a casa? Espio o ambiente. Ele guarda um freezer e prateleiras. Lembra um comercio. 

O senhor, armado de um rádio de pilha, acomoda-se em uma cadeira de macarrão. O negro tem a carapinha grisalha. Vez em quando traja a camisa do Paysandu.  Cedo, na minha volta do café consumido no mercado municipal, ele está de guarda. 22h, ao voltar para a hospedagem, lá está ele a postos. Nunca o vi a prosear com outrem.  

No café no mercado, diariamente, um senhor de estatura mediana, branco, exibe desinibidamente, um frondoso bucho. Cumprimenta a todos. Não há muita gente no mercado.  Alguns espaços vendem café e refeição. Um açougue atende aos poucos fregueses. Uma banca vende frutas e verduras. O tempo é desprovida de agonia. O cachorro cochila em um canto. Pode ser por conta do calor. 

O mercado abriga vários espaços vazios.  Sem uso. Alguns justificam o preço imposto pela prefeitura como justificativa. O prédio antigo guarda um telhado novo.  Um pouco distante dali, logo cedo, jovens e adultos jogam futebol em quadra coberta recém inaugurada.  

Em uma viela um quarteirão ou dois do centenário mercado, um outro negocia somente peixes. Fica na ilharga do rio em uma rua desprovida de calçamento.  Uma estrutura precária, onde o esgoto corre a céu aberto e urubus vivem em rejubilo. 

Na orla havia uma feira da agricultura familiar. A estrutura encontra-se abandonada. Outros serviços também foram deslocados para outra parte da cidade por conta das cheias dos rios, a exemplo dos bancos. 

A orla concentra um bom número de hotéis. Em um deles é recorrente uma presença massiva de prestadores de serviço da Equatorial.  Após a privatização da empresa pública, a Rede Celpa,  o preço do serviço alcançou as galáxias e a qualidade foi para as profundezas dos abismos. 

O calor amofina a gente. Tanto que é comum os jovens empenarem pipa durante a noite. A competir com os morcegos. Ave noturna, insônia. Vagalumes de fogo avoando da boca da noite do Surubiú por entre carros de boi e rebojos por um melhor devir.  

 

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Charles Trocate, discurso proferido por ocasião da titulação notório saber/UFBA


A escola é a primeira estrutura que o movimento ergue quando da ocupação da terra grilada. É sob a lona preta que crianças, jovens e adultas fazem o letramento para além da junção de sílabas. É em ocupações, marchas e acampamentos que Charles Trocate fez-se poeta, filosofo, pensador e escritor. Fez-se doutor nos rincões do Pará, em terras dos Carajás, solo onde mais se mata nas pelejas pela terra no Brasil.

Ainda gito Trocate engrossou as fileiras da marcha pela reforma agrária que redundou no Massacre de Eldorado, há 29 anos, na Curva do S. morte matada. Morte anunciada, ordem de governador. Em suas errâncias a praxe era carregar livro em seu embornal. As fileiras do MST foi o seu açude de saber. A escola desprovida de paredes e grade curricular. Escapou de veneno de cobra, escassez, peixeira e bala. Correu o mundo, EUA, Europa e América Latina a refletir sobre os descaminhos das amazônias.

É doutor mais que muito doutor. No derradeiro dia 10, a Universidade Federal da Bahia (UFBA), concedeu a ele e outros mestres o título de doutor por notório saber em Geografia Humana. Mas, poderia ser em Política ou Filosofia e arte de sobreviver em seara de escassez.  Agora Trocate é doutor do mundo e do papel. Ainda que já reconhecido por outros doutores de mundo e de academia, doutores de empates, bares, feiras e currutelas. Não à toa assina uma penca de prefácios, orelhas e apresentações de publicações mundo afora.

Quantos/as outros/as doutores do mundo e do papel foram tombados/as pela fome, moléstias, peixeira e bala???

 A seguir, o discurso que realizou na UFBA quando do recebimento da comenda. Sawe!!

Amigas, amigos, camaradas, companheiras, companheiros, gente desta parte do coração.

Há uma marcha humana desde os sertões e os seus interiores melódicos que já dura mais de 200 anos. Os andrejos que daqui partiram chegaram a Amazônia parte setentrional do pais para nos dizer como cantou Belchior “que o nordeste é uma ficção, nordeste nunca houve”. Chegaram como sertanejos, colonos, posseiros, garimpeiros, nômades cronicamente nômades. Chegaram sem o estado e contra o estado. Artífices de si mesmos, cooperando com a floresta e com as sociedades da floresta. Produziram empates, guerras camponesas e o homem histórico – Chico Mendes para nos dizer que há uma dívida ecológica do norte global com o sul global, bem antes da Amazonia transformar-se em refúgio do antropoceno pelas dinâmicas da supressão. As mutações do capital. 

Nesta marcha da qual sou parte originada do Ceará se movimentando contra a cerca e contra a seca, saímos Tomé, no Piauí fomos Torquato e na transição para a imensa floresta nos transformamos em Trocate. A corruptela do sobrenome indica as adaptações ou as recriações num sucedâneo de acontecimentos. Nesta marcha levaram o que tinham e tudo me alcançou porque sou eles, e a primeira vez foi quando aprendi a ler pela literatura de cordel. As sextilhas me avisaram da coragem.  Aprendi a ler cantando a forma de ser e ter alegria, a de ser gente e a de enfrentar a escassez por ela.

Descobrir Chico Mendes este homem das múltiplas florestas e dos seringais contra a ideologia da floresta vazia em 1990. Era a primeira idade da vila de Parauapebas que havia se transformado em cidade em 1988, depois de termos cruzado a rua do Arame, que separava a Vila do Rio Verde dos primeiros habitantes.  Construímos o Bairro da Paz, e nossa casa ficou na esquina da rua Marabá com Chico Mendes e está esquina se transformou no meu mundo de criança e adolescente.

Dois anos depois em 1992 passou por lá um grupo de jovens em trabalho de base para ocupar uma terra. A campesina Lourdes minha mãe se entusiasmou – nos transformamos em Sem Terra porque sem terra já éramos, nos transformamos em classes perigosas porque a miséria era nosso último limite. Foi a segunda vez que o Nordeste me alcançou, a insurreição da terra! 

Em 1993 tornei militante político do MST e decidi fazer militância política como profissão de fé- mobilizado pelas leituras e pelas descobertas decidi escrever (sem saber escrever). Tudo que viera depois  da virgula pela luta é uma consequência desta forma de estar em embate, pelo que falta, para se intelectualizar através de longos e demorados processos de formação. Porque o conhecimento valido é para mim aquele que é dialógico e transformador, no MST me encontrei com a filosofia, a arte de enxergar o palmo diante do nariz. E sigo utilizando-a para isso!

Por essas exegeses de quererem saber tudo- quando me perguntam como escritor qual é minha escola literária – eu respondo, o MST e se dobram a pergunta de qual é meu estilo literário – repito, a minha mãe.

Passei quase duas décadas como militante do MST no Pará – e nos últimos treze anos dedico meus esforços na construção do Movimento pela Soberania Popular na Mineração -MAM. Entendi pela ação cultural da ocupação da terra a dinâmica da luta de classes no solo. Falei e escrevi sobre tal e com os meus camaradas agir- e nos últimos anos, como se virasse a terra de cabeça para baixo em circunstâncias adversas – o de entender a função social do subsolo, e a luta de classes  pelo caráter da extração e uso dos minerais.

A experiência prática como coletivo nos levou a classifica-lo como problema mineral cujas as preliminares estão  em sempre ser organizado de fora para dentro, de ser antidemocrático nas suas decisões e de ser economicamente a expressão do desenvolvimento do subdesenvolvimento. Nos levando a minério-dependência em circuito fechado.

Quando decidimos nacionalizar o conflito Carajás – o tirando da Amazonia demos o apelido de MAM, o seu exercício chegou e continua a chegar em outros lugares- a maldição da abundância é o imperativo do moinho satânico – e agora chega para amedrontar na sua forma de realizar capitais, nas expressões de emergência climática e transição energética – o capital é eletrointensivo, digamos então expansão energética.

O parlamento empresarial brasileiro fustiga o nosso papel nos negócios da transição energética – chegar a 10% do Produto Interno Bruto pela mineração. Desde que vendemos o modelo mineral brasileiro em 1997, alteramos os ciclos e agora ele está incontrolável, a economia, a natureza e a sociedade, obstinadamente pagamos por esta rotina que nos consome por inteiro.

Para ser exato e com as perturbações da dialética escrevi para o livro da Baiana Juliana Barros – A política da mão de ferro da mineração nas terras de Carajás – o que é o arquétipo dessa dinâmica que nos interroga a toda hora como agentes do presente seja onde for:

‘O Programa Grande Carajás (PGC) é ainda indecifrável – enigma que cada vez mais se ideologiza em seu modelo proposto e na decisão de implementá-lo. E, quando se conclui que parece não haver mais nada a ser interrogado, soam descabidos, para muitos, os tons do debate e da crítica política. Desse sentimento, sobressai com precisão o livro A mão de ferro da mineração nas terras de Carajás de Juliana Barros. Em sua pesquisa, o PGC, aos poucos, decifra-se em aspectos até então incomunicáveis: produzir o progresso pela ruína.

Ao fim e ao cabo, não se trata de quanta ruína é assimilada ou a quantos ela atingirá, afinal, trata-se de uma construção política. Carajás tornou-se um princípio que arrasta consigo uma totalidade de relações e de mutações empresariais. E se transmuta de acordo com interesses dos que manuseiam esse projeto, burguesias institucionais que o criaram e o determinam numa variação de associações e jogos de poder. Ao mesmo tempo, é a mais radical ação econômica, para dentro e para fora, a fagocitar tudo, com enorme custo para a economia nacional.

A invenção de Carajás – como escreve Juliana Barros – é o não reconhecimento pelo Estado monocultor das diferenças, da alteridade e se legitima na objetificação e precificação da natureza. Esse sistema de poder inferioriza o outro, seja pela subalternização na exortação da acumulação, seja pelo tecnicismo da linguagem jurídica.

Em A mão de ferro da mineração nas terras de Carajás, a tomada de terra constitui o fundamento máximo das commodities minerais e a lei da propriedade torna-se arbítrio no modus operandi da empresa mineradora em detrimento do direito do outro subjugado e da destruição da natureza. Sobre essa imperiosa face do modelo mineral, Juliana Barros foi incisiva e nos ajuda a reordenar pensamentos e, ao mesmo tempo, refazer perguntas acerca das relações de poder na tomada de terra.

Carajás é funcional ao sistema-mundo de produção de mercadorias, isto é, legitima o papel das burguesias dadivosas e amplifica retrocessos sociais. No caso do Programa Grande Carajás, o projeto foi delineado como extração infindável sem repartição da riqueza produzida e acoberta o fundamental da trama: ruína na periferia e acumulação econômica no centro do capital – o que origina cálculos e equívocos de interpretação, pela força que coloca na ideia de que estamos presos à inevitabilidade do capitalismo e à governança da despossessão.

Portanto, enfatizo a originalidade deste livro e o compromisso intelectual da autora. O enfoque dado não esmorece o entendimento dos fundamentos do problema, ao contrário, ressalvados limites de tempo e de espaço, é possível consagrar o ineditismo da provocação que a pesquisa realizada por Juliana nos traz: uma conjuntura em que o aprisionamento da terra, em mecanismos de poder, retroalimenta o sistema de acumulação pela mineração, assim como cristaliza suas artimanhas e seus impactos na vida de excluídos da repartição das riquezas’.

E porque o problema mineral não foi interrogado antes – porque é difícil percebe-lo dentro das suas forças de desenvolvimento e progresso? Agora pouco importa saber porque não antes, mais se juntam a nossa inquietude o de somar a função social da terra com a função social do subsolo este é o ecossistema da questão – porque esta forma de vender natureza e ganhar dinheiro continua a nos empobrecer, desde os efeitos geofísicos das minas que ficam aqui – ao invés de um país minerador somos é minerado numa crescente desestabilização do território nacional.

Dizer e enxergar isso nos custa muito caro, no entanto há compensações, por exemplo chego ao nordeste “esta região que nunca houve que é uma ficção” pela terceira vez, (das muitas vezes que cheguei) para receber o título de notório saber em geografia humana- chego trazido pelas mãos do Geografar e por muitos e muitas que vibraram com esse processo e pelo consentimento acadêmico de que este acontecimento tem sua boa hora. Não chego sozinho, tenho comigo uma espantosa multidão, chego sem adereços, sem penduricalhos ou mesmo caprichos. Passei a vida entre universidades, a universidade nos cabe também! 

Por fim, reconhecer que a construção do MAM na região é a forma de percorrer em turno contrário – a marcha contínua dos que um dia saídos daqui chegaram lá, e é a forma de introduzir nos nossos dilemas outras conjurações – a bem dizer de Chico Mendes este inconfundível revolucionário, precisamos em circunstâncias como essa ao menos empatar, provocar empates ao capital mineral. 

Salão Nobre da Reitoria da UFBA, Salvador, Bahia, 11 de abril de 2025

Veja a cerimônia AQUI

domingo, 13 de abril de 2025

"Senhores" da BR 163, Santarém

 BR 163. Santarém/PA. Faz calor. Em um comercio desmilinguido dois senhores de meia idade tomam café. Sobre uma mesa algumas pencas de banana. O balcão cansado de guerra acomoda um manequim empoeirado. Não tem pernas e braços. Traja vestes íntimas: corpete e calcinha. Não havia preço. Os senhores proseiam sobre a conjuntura nacional. Avaliam que somente Trump poderia redimir a direita nacional. O mais desencantado dispara: “É o fim! Acabou!”.  Pego uma breja, sigo a rumo de casa em rejubilo momentâneo....

Pássaro, um mundiador manauara

 Orla de Alenquer

Pássaro é manauara. É afro-indígena. Altura mediana, deve carregar uns 40 verões nos costados. Defende-se como ambulante. É do trecho. Já correu meio mundo entre o Pará e o Amazonas.

Qual um ás de time de várzea, enfileira cidades em que andou. Manaus, Belém, Itacoatiara, Presidente Figueiredo e outras com nomes que não consegui memorizar. Cidades à beira de rodovias. Cidades à beira de rios. Cidades....

Fez o ensino fundamental e ginásio em puteiros na Zona Franca de Manaus, conta ele, com certo orgulho. “A rua foi minha escola”, comenta à mesa de um posto de gasolina à beira do rio Surubiú em Alenquer, na Av. Benedicto Monteiro. Um escriba de estatura mundial nascido na cidade.

Aonde o capital senta praça sobre a fronteira amazônica germinam puteiros. Um espaço-tempo de trocas materiais, simbólicas, fluídos, ilusões, desilusões, xodós, rasteiras, peixeiras, choros e lonjuras.  Um tempo sem agonia sob sol ou chuva. Um redemoinho de malandros, “puliça”, putas, funcionários públicos, liberais e desgarrados do mundo.

Atividade ganha em proporção em qualquer cidade portuária ou que abriga algum grande projeto. O espaço fulorou em Belém e em Manaus no boom da economia gomífera.  Para além dos palácios, teatros e catedrais a arvorar-se a ares de França celebrados por uma “classe média” com certo estudo, que insiste em eclipsar os rendez vous que germinavam ao centro da cidade ou nas periferias.

Lá Hoje, Rosa de Maio, Sangri-la, Verônica, Saramandaia, Ângelus, Bataclan são algumas das casas por onde desfilavam polacas, russas e francesas, recupera a dissertação de Raimundo Alves Pereira Filho, apresentada na Ufam (Universidade Federal do Amazonas), apresentada em 2014.

Nem só de gringas respiravam as casas, moças do interior e migrantes davam musculatura aos espaços. Algumas agraciadas com casamento, tamanho o encantamento promovido. “Vou tirar você desse lugar/Vou levar você para morar comigo/Não me interessa o que os outros vão pensar”, poetizou Odair José.

Pássaro fez o corre na Zona Franca, em outro contexto histórico, onde o comum eram clubes de strip-tease. O negócio residia em levar mimos que seriam adquiridos pelos frequentadores das casas e ofertados às meninas.

Na negociata, cabia às moças reclamarem aos seus clientes algum bicho de pelúcia ou algo equivalente. Em seguida elas devolviam o brinquedo ao Pássaro, que retribuía a elas, 50% do valor do produto. Como se diz por estas paragens: “é um olho no gato, um no peixe e outro na garça”.  

Em Belém, em certa época, na ilharga do Ver o Peso, recordo de um denominado de DVD e do Chuá. Salve engano o Chuá fazia vizinhança com os fundos de Fórum de Justiça. Na geografia veropesiana existiam outros que não recordo, bem como em outras latitudes da cidade. Havia uma territorialidade, que hoje passa por ressignificação por conta das tecnologias. Novas faces do mundo do trabalho.  

Assim como em São Luís, outra cidade igualmente portuária, onde um dos mais notórios do Centro da cidade ladeava o Mercado Central, o Xirizal, que na verdade era um complexo de mais ou menos seis casas/bares. O espaço reclamava atenção ao habitue, posto ser recorrente o expediente do “boa noite cinderela”. Assim como os localizados nas proximidades da rodoviária de Belém. Mundiar é preciso! Viver é arriscoso!

O Pássaro é bicho que avoa. O “empreendedor” das errâncias negocia cordões, relógios e capas de celular.  A empresa é acomodada em pequeno equipamento que lembra um carro de pipoca ou picolé (pop corn, ice cream). Tá sempre risonho. Quando o encontrei já havia vencido algumas latinhas de cerveja. À beira do rio soa ser o melhor espaço de negócios.

À beira do rio Pássaro fica à espreita dos passageiros das embarcações, outros negociantes de bairros mais distantes e de comunidades rurais. A beira do rio abriga vários hotéis.  Uma senhora faz par com ele. Não é conge, nem rolo ou equivalente.

Tal o Pássaro, é uma peã do trecho. Pareia a mesma idade do manauara. Fuma sem parar. Parece tensa. Na engrenagem dos ambulantes existe um aviador/agiota. A turma confessa que foi atendida por um da cidade.

Assim que aportou em Alenquer Pássaro pegou mil conto para montar a “firma”. Todos os dias paga uma taxa de juros. Tanto ele, quanto a moça abrigam-se um quartinho de pensão. Cada um no seu.

A mãe do ambulante tá enferma em Manaus. Ele repassa um troco para mim, e pede que eu faça uma gentileza em encaminhar para a mãe dele via pix. A amiga reclama a mesma operação, neste caso, a grana é para ela mesma. A moça não sabe onde colocou a chave do quarto. Tá agoniada. Apanha um mototáxi e vai à caça dela, antes fuma mais um cigarro.

 

sexta-feira, 11 de abril de 2025

V PRÊMIO FREI HENRI DES ROZIERS DE DIREITOS HUMANOS

A iniciativa é da OAB de XInguara/PA, cidade onde o frei militou por longos anos



Acontece no próximo sábado dia 12 de abril de 2025 a solenidade de entrega da Comenda de Direitos Humanos, honraria concedida pela Subseccional da OAB/Xinguara, destinada a homenagear pessoas com história de vida e de luta na defesa dos direitos humanos. O prêmio foi criado em dois mil e dezesseis por um grupo de advogados ligados ao Frei Henri. Esta Comenda foi reconhecida pela diretoria da OAB Sessão Pará. 

A primeira edição do prêmio aconteceu em 2018 por ocasião da “colocação” das cinzas do Advogado e Frade Dominicano, Frei Henri des Roziers, no Assentamento do MST que foi “batizado” com seu nome, em Curionópolis e acontece paralelamente a outras atividades de memória do Frei, como Celebração Católica que ocorre anualmente, na Comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Setor Itamaraty,  onde o Frei costumava celebrar missas. 

Será realizado, também, no domingo, no Assentamento, Ato Em Memória, na manhã do dia 13 (domingo) no Assentamento que leva o nome do religioso, organizado pelo  Movimento dos Trabalhadores Sem Terras, no município do de Curianópolis/PA.

Este ano, acontecerá a quinta edição do evento, organizado pela Comissão de Direitos Humanos da OAB, Subseccional de Xinguara, na sede da instituição, localizada na Avenida Xingu, Centro da cidade, a partir da 19 horas e homenageará Pe. Danilo Lago, Jean Ann Bellini, Hilário Lopes Costa e Geuza da Cunha  Morgado, todos Agentes Pastorais da CPT. O tema será “Jubileu da CPT: 50 anos de luta e resistência”. Após a solenidade, acontecerá um ato cultural o jantar na área externa da OAB.

Frei Henri foi um advogado que dedicou sua vida para proteger os pequenos e um defensor dos Direitos Humanos reconhecido no mundo inteiro, falecido em 2017. 

Quem foi Frei Henri
Frei Henri vive!

Frei Henri Presente!

Enviado pela CPT de Xinguara/PA

quinta-feira, 10 de abril de 2025

MST inicia hoje acampamento pela memória dos mortos em Eldorado

 Ações ocorrerão em Eldorado de Carajás e em Belém

Inicia hoje na Curva do S, em Eldorado de Carajás, sudeste do Pará, mais um Acampamento Pedagógico da Juventude Sem Terra Oziel Alves Pereira, pela passagem do 29º ano do Massacre de Eldorado de Carajás.

O massacre foi protagonizado pelas  tropas da PM, que teve como saldo o assassinato de  19 trabalhadores rurais sem terra filiados ao MST. Os trabalhadores rurais marchavam em defesa da reforma agrária.

Reforma agrária, meio ambiente, cultura, educação são alguns pontos de agenda que norteiam a ação, que encerra no dia 17, quando se deu o massacre ordenado pelo então governador Almir Gabriel (PSDB) e o secretário de segurança, Paulo Sette Câmara.

Além dos militantes do MST, educadores, professores, universidades e instituições de assessoria engrossam as fileiras. Ações também estão agendadas para ocorrerem em Belém.

Além de oficinas, debates e místicas, haverá mostra de filmes. A iniciativa é do projeto de extensão da Universidade do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), o Cinefront, que tem como ponta de lança o professor Evandro Medeiros.

mais informações

Pablo Neri - (94) 99119-1014

sábado, 5 de abril de 2025

Virgílio Sacramento – familiares e movimentos sociais realizam ato pela memória de 38 anos do assassinato do líder sindical de Moju

Ato acontece amanhã, dia 06, em Moju, na comunidade de São Pedro



Familiares, movimentos sociais e parte da Igreja Católica, a exemplos das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) Guajarina, realizam ato pela passagem do 38º ano do martírio do dirigente sindical Virgílio Sacramento, amanhã,  06, na comunidade de São Pedro, em Moju. A iniciativa é da Fundação Virgílio Sacramento, CPT Guajarina, CEBs de São Pedro e o Assentamento Virgílio Sacramento.

Elias Sacramento, um dos filhos do sindicalista e professor de História da UFPA tem sido um animador pela manutenção da memória do pai, onde tem produzido materiais acadêmicos sobre a questão.

Virgílio Sacramento era dirigente sindical em Moju, Pará. Foi assassinado no dia 05 de abril de 1987 atropelado por um caminhão, quando somava 44 anos. Além de viúva, deixou 11 filhos na orfandade. Assim como outros dirigentes, colecionava ameaças de morte.  A década de 1980 é a mais sangrenta na luta pela terra no estado.

Matava-se aos borbotões: dirigentes sindicais, camponeses, religiosos e advogados. Crianças, jovens, adultos e velhos. Crimes em sua maioria cobertos pelo manto da impunidade. Pistoleiros, polícias, agentes das forças armadas encarnavam milícias de grileiros. Mesmo hoje, que o diga a chacina de Pau D´arco, ocorrida em maio de 2017, com saldo de 10 mortos pelas polícias civil e militar.

Sacramento foi presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Moju, integrou a Federação dos Trabalhadores e das Trabalhadoras na Agricultura do Pará (Fetagri), Central Única dos Trabalhadores (CUT), era quadro do PT e foi agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), assim como o Padre Josimo, que vivo fosse somaria hoje (05) 82 anos.

Josimo militava no Maranhão, igualmente foi morto em plena luz do dia, um ano antes que Sacramento, no mês de maio, quando somava apenas 33 anos. O religioso foi vítima de vários tiros desferidos pelas costas, na porta da sede da CPT de Imperatriz/MA. Meses antes o padre havia publicizado em reunião ocorrida em Belém as inúmeras ameaças e atentados que vinha sofrendo.

Sacramento era filho da cidade de Limoeiro do Ajuru, baixo Tocantins. Região impactada pela barragem de Tucuruí, que integrou o portfolio do projeto de integração da ditadura militar.

O cenário da época, além usina hidroelétrica e do monocultivo de pimenta do reino, era marcado pela exploração madeireira e a instalação de agroindústrias, onde constam: a Reasa, Reflorestadora S.A da Amazônia, Agropalma e a Dempasa, que tinham como meta a plantação do monocultivo de dendê. Enquanto a Sococo, plantaria coco e a Serruya plantaria seringa. A morte do sindicalista nunca foi esclarecida. Assim como a maioria dos casos.

Abril de lutas, abril vermelho

Além da mobilização de indígenas, o mês de abril é marcado pela memória dos Massacre de Eldorado, ocorrido em 1996, no município de Eldorado dos Carajás, no sudeste paraense.

O crime foi cometido pela PM do estado sob as ordens do então governador, o médico Almir Gabriel (PSDB) e o secretário de Segurança Paulo Sette Câmara.  As tropas foram comandadas pelo tenente coronel  Mario Colares Pantoja e o Major José Maria Pereira Oliveira.

Todo ano, no local do crime, a Curva do S, o MST e apoiadores realizam manifestações em memória dos mortos e na defesa da reforma agrária. O dia é dedicado na agenda mundial como Dia Internacional das Lutas Camponesas e na nacional, como Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária.

Para saber mais sobre os crimes da luta pela terra no Pará acesse aqui o livro Luta pela na Amazônia: mortos na luta pela terra! Vivos na luta pela terra! O livro sobre organizado pelos professores Rogerio Almeida (Ufopa) e Elias Sacramento (UFPA), em dialogo com sindicatos de trabalhadores rurais, MST, Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e a CPT.  

programação 

Sobre o ato falar com Elias Sacramento -  (9)1 99176-8821

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Alenquer em abril



Centro. Alenquer. Faz calor. Todavia, chove. Ainda é inverno. Terça feira de abril. A porca espocou do nada. Ligeira.  Porruda. Parida. Mais de 100 kg ao olho míope. Desembestou-se pela rua sem calçamento. Caçava comida. Metia o focinho em tudo: lixo, mato e lama.

Tudo sucedeu nas proximidades da feira do peixe. Mercado cercado por favelas. Esgoto a céu aberto.  Na vala do esgoto, por entre sobras de peixes e lixo doméstico, felinos e urubus disputam rebotalhos dos pescados. Tambaqui, bodó, tucunaré. Tempo lento. Lentinho.  Sem agonia. Um jovem cruza o caminho com duas fieiras de peixes. Cumprimenta: “dia senhor”...respondo: diassss”

O rio faz parte da casa das pessoas das cidades ribeirinhas. É quintal. É par. É dispensa, que quando tudo falta, pesca-se o peixe. A depender do lugar, outras iguarias, a exemplo de camarão. O rio é a vida do lugar. Homem peixe. Homem rio. Homem floresta. Homem várzea. Homem quintal. Homem ribeirinho. Milenar. O rio é a vida. O rio é a morte do lugar.

Casas sobre os rios. Feitas de madeiras. Porta e varanda entupidas de plantas sinalizam que ali existe vida. Encantarias. Encruzos e armadilhas.  Nas paragens amazônicas esgoto inexiste. Pública omissão. Diarréias prosperam aos borbotões....

Árvores frutíferas garantem alguma sombra. O rio, a floresta, a várzea, o quintal, as plantas, o peixe, alguns pequenos animais, entre outros, galinhas integram o espaço. Ah, o homem. O homem e a natureza em par. Açaí na veia.

Nas casas espiadas por mim, havia embarcações pequenas. Em algumas, motos. O cavalo ferro sobrepor o quadrúpede. Uma cadeira de balanço feita em macarrão antigo aguarda o/a dono/a. Assim como uma bicicleta suspensa em uma parte externa.

Em outras residências mais bem ajambradas estranhei a ausência de grades de proteção. Reinará a paz nestas paragens? Em meu caminhar matutino, recebi de todos que por mim passaram nas ruas acanhadas e sem calçamento um bom dia. Ainda que desconheçam a minha triste figura. “dias moço”, “dias senhor”....cumprimento que faço questão em retribuir: “dias!”....acho o maior o barato....

À beira do rio, embarcações. Tudo que é tamanho e estrutura: madeira, ferro. A primeira integra a cadeia do tempo agoniado, a segunda do tempo lento. O posto de gasolina socorre os grandes e os miúdos. Os agoniados e os lentos.  É recorrente pessoas comprarem o combustível em garrafas de plástico/pet. Combustível para as canoas.

Mototaxistas, taxistas espreitam passageiros. À beira do rio, existe pelo menos quatro hotéis: o Detinha, Hotel da Gaúcha, Pepita e o Vale do Paraíso. Entre outros povos, a região contou com a presença de libaneses.

A professora Marília Emmi assina uma publicação sobre migração no Pará.  Benchimol a precede, em Eretz, obra que foi metamorfoseada em documentário. Benchimol trata especificamente da migração de judeus. Em Alenquer, por uma temporada a família Gantuss chefiou a cidade. O sobrenome nomeia alguns espaços da urbe. família de origem libanesa. 

Bodó e Mocotó formam uma dupla de liberais da beira do cais. Bodó é uma espécie de peixe. Mocotó uma iguaria. A dupla não canta. Bodó e Mocotó são motoristas de táxi. Conhecem todas as quebradas do lugar e vizinhança.  

Bodó é claro, enquanto Mocotó é escuro. Faz um ano que Bodó levou uma garrafada na cabeça. Uma garrafa de cachaça 51. Iniciativa de um desocupado em porta de festa.  Passado mais de 12 meses, os zoio de Bodó tiveram um probleminha. Agora padecem de lagrimação. Chora por tudo....

“Sou filho de muitas mães. Mamava as mães da vizinhança. A minha não tinha leite”, rememora. Mocotó é trecheiro. Já correu Manaus por longa temporada. Um dia resolveu mudar para Alenquer. A parceira não topou. Juntou os quase nada, e pegou o Ita sozinho. Fichou na mineração do Trombetas. Ficou 20 anos por lá. Não bebe, nem fuma. Traja uma camiseta camuflada do Exército Brasileiro.

Bodó e Mocotó orgulham-se dos bens que possuem: moto, carro de passeio e camionete. Assim defendem os dias. E, afinam amizades com ximangos e não ximangos. Ximango é o termo usado para denominar o nascido em Alenquer, assim como “espoca bode” o é em Oriximiná.

Outro dia, na comunidade de Campina do Pilar, por conta das chuvas intensas, relíquias de civilizações antigas vieram à superfície. A região é um grande sítio.  Cogita-se que ainda em abril, técnicos do Iphan visitem o lugar. Trata-se de resquícios do povo Baré da região do Trombetas, como consta da história da origem da cidade. 

O museu antigo aguarda uma nova sede. Tá quase tudo pronto. É uma teimosia de alguns moradores sensíveis à cultura. E, por falar nela, a secretaria estadual, nunca respondeu a um ofício que solicitava que uma exposição sobre o centenário do escritor e político ximango Benedicto Monteiro passasse uma jornada por aqui.  Ficou restrita à Belém.

Abril. As águas estão grandes. O retorno para Santarém será ligeiro, por entre rebojos de um passado que não passa.

terça-feira, 18 de março de 2025

Rinaldo, o pescador de Oriximiná



Imagem: orla da cidade de Oriximiná/PA

Juriti e Oriximiná integram a geografia do Baixo Amazonas paraense. Elas distinguem-se de outras cidades da região por pelo menos dois fatos. O primeiro por terem nomes de origem indígena, ao contrário das demais, que foram batizadas com homônimos de cidades lusas, a exemplo de Santarém, Óbidos, Almeirim, Alenquer, Monte Alegre, Faro e Terra Santa, entre outras nomeadas nos estados do Pará e no Maranhão.

Um marcador colonial dos tempos do marques de Pombal no afã em  “modernizar” a região, onde uma das ações residiu em reativar o mercado de africanos escravizados, a partir da criação de companhias de comércio, a exemplo do modelo inglês.  

A exploração mineral é o outro elemento. É justo este componente que as tiraram do anonimato e a catapultaram a integrar o mapa-múndi como exportadoras de produtos primários aos principais centros econômicos do mundo, outro elemento de subordinação.

Bauxita é o minério explorado. Ele é transformado em alumina em processo químico, que em seguida é transformada em lingotes de alumínio a partir de processos de metalurgia.

O município de Barcarena, nas proximidades da capital do Pará, abriga as maiores plantas industriais da América Latina da cadeia de alumínio, a Albras e A Alunorte. Por conta de abrigar inúmeros projetos industriais e portos, o município ganhou a alcunha de “Cubatão” do Pará. Um prato cheio para a COP. A experiência coleciona crimes ambientais de toda ordem cometidos pelas grandes corporações. Em sua maioria impunes.

Faz pouco mais de duas décadas que Juruti experimenta a exploração de bauxita. A operação é realizada pela empresa estadunidense Alcoa. Uma das maiores do mundo. Assim como outros grandes projetos instalados na Amazônia, a iniciativa é eivada de abusos de poder do capital contra as populações locais.

Em Oriximiná o minério é extraído desde os anos de 1970. É creditada à atividade um dos maiores crimes ambientais na Amazônia, o despejo de resíduos dos processos de extração por anos no Lago do Batata. Crime apagado da linha do tempo da Mineração Rio do Norte (MRN) em seu site, recheado de ações enquadradas como de responsabilidade social ou algo que o equivalha.  

Após passar por várias mãos, Vale, desde a sua origem na ditadura civil-militar, quando ainda era uma empresa pública no Programa Grande Carajás (PGC), a norueguesa Norsk Hidro, recentemente a suíça Glencore  assumiu o controle acionário (45%) das ações, seguida pela australiana Sout32, com 33% e o conglomerado anglo-australiano, Rio Tinto, com 22% das ações.

A Rio Tinto também opera em Barcarena, coleciona um rosário de crimes ambientais, que comprometem a reprodução econômica, social, política e social das populações da região. Além de comprometer a segurança alimentar e toda uma cosmologia local.

Todas operam em vários países e possuem um robusto histórico de violações de direitos humanos, crimes ambientais entre outras externalidades negativas. O saque estrutura a operação.

Via de regra a mineração não promove uma relação no local da extração. Pode-se sinalizar para uma acumulação originária, onde o Estado cede o subsolo, promove a renúncia fiscal, financia e possibilita a infraestrutura, onde a maioria dos gerados empregos são precarizados, e ocorrem quando da instalação do projeto.

 A massiva migração em busca de oportunidade quando da instalação dos grandes projetos  tende a pressionar as limitadas estruturas dos municípios, que por algum tempo conseguem incrementar a arrecadação do ISS (Imposto Sobre Serviço). Uma equação perversa da pilhagem em todos os quadrantes.

Em setembro do ano passado a MRN anunciou a obtenção de licença prévia para operar em outros platôs nas cidades de Oriximiná, Terra Santo e Faro no escopo do Projeto Novas Minas (PNM). O investimento estimado é de R$5 bilhões reais para uma produção média de 12,5 milhões de toneladas/ano.

Estes dias pesquisadores de universidades da Suíça e da Inglaterra realizaram um intercâmbio no sentido em conhecer a região e promover um intercâmbio com representantes das comunidades afetadas pelos empreendimentos da MRN, além de dialogas com discentes e pesquisadores da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará).  

Nas planilhas, planos, programas e políticas desenvolvimentistas, o horizonte é consolidar a região como um corredor de commodities. Modal de transporte (rodovia, hidrovia, ferrovia), portos e geração de energia são alguns dos projetos. Uma vez mais, uma integração subordinada.

Rebojos de um passado que não passa, em terra de aguda presença de civilizações complexas antes de Colombo baixar no Novo Mundo, que abriga o registro considerado mais antigo da presença humana na Amazônia, a Caverna da Pedra Pintada, em Monte Alegre.

Indígenas, remanescentes de quilombolas, extrativistas, entre outras categorias enquadradas como tradicionais espraiam-se em diversidades modalidades de territorializações, diuturnamente ameaçadas por projetos de infraestrutura, mineração, agricultura capitalista. Vidas e saberes constantemente postos em risco, a exemplo da existência do pescador Rinaldo. 

Rinaldo, o pescador de "Ori"

Pacu, tambaqui e tucunaré foram as espécies que Rinaldo logrou pegar esses dias. Ficou umas noites no corre. Cumpre a missão em uma  bajara. Uma embarcação típica da região. Nem grande, nem pequena. Usa aquele motorzinho. Mas, sempre carrega remo.

Sabe de cor e salteado as manhãs do universo da várzea que viceja por entre o Amazonas e o Trombetas. Bandas de Oriximiná. Baixo Amazonas, oeste paraense. Ori é terra de aquilombação. Um mundo de cachoeiras de pretas e pretos fugidos da opressão. Sabença de mocambos.  Ainda hoje são consultores para quem visita o lugar. Cachoeira não é para qualquer um.

O pescador arreceia os dias presentes:  “Foi uma seca no rabo da outra. Uma tristeza só. Os peixes tudo miúdo. Sem plantas para comer. A morrerem nos lagos. A gente tem que viajar mais longe para conseguir um peixe melhorzinho num calor de lascar”.

A gente gasta mais tempo, combustível, gelo e rancho, assim  Rinaldo  traduz os efeitos extremos que precipitam sobre o Baixo Amazonas, o oeste paraense ao longos dos recentes anos.

Rinaldo é pescador de ofício. Soma mais de 60 invernos. Destes, 40 como cabra do riomar das águas barrentas das bandas de cá. Faz uns três dezembros que celebra a aposentadoria. Orgulha-se de sempre ter contribuído com a Colônia de Pescadores. Pura sabença do mundo da várzea.  Ele não tem a compreensão exata do que sucede a COP 30 de Belém.

Mas, sabe muito bem da sofrência que é a vida dos seus em tempo de seca. Um dó que é não ter água boa de beber. Água limpa de banhar. Água de zelar pelo espititual. E, tudo na mais robusta bacia hidrográfica do mundo. 

O corpo esguio resulta da labuta e da dieta à base de peixe.  Ele rejeita carne vermelha e não nutre muito afeto pela carne de frango.  Sempre que possível devota uma breja.

Em certa manhã invernosa da cidade irrigada pelo Amazonas e Trombetas, trombei com ele a matar uma cerveja no comério Cajueiro. Nas proximidades da Praça Centenário. Nem longe. Nem perto. Umas três quadras de lonjura. Usa uma dessas camisas que são negociadas como que se tivesse recurso de proteção de sol. Boné e óculos escuros completam o figurino.

10h da manhã. Já vendeu os peixes que conseguiu pescar após uns dois dias de missão. Tucunaré, Pacu e Tambaqui em pencas. Não há atravessador do negócio do Rinaldo. Em uma bicicleta sambada de guerra ele negocia diretamente com o freguês. Quando a pesca é das boas, faz duas viagens com as pencas de peixes. Atende fiado. Assim como  tem caderno no comércio Cajueiro.

Rinaldo fez uns 12 barrugudin. Tem orgulho em ter conseguido encaminhar a todos. Fala das crias todo pávula. Mora às proximidades da bodega, que se avizinha a um porto de gasolina. “ A mulher topava qualquer parada. Mesmo depois de parir corria o trecho comigo. A gente carregava o barrigudin junto.  Seja para pescar ou catar castanha”, conta.

Rinaldo é cabra de ciência. Sabe de trás para frente o quanto tem de adquirir de combustível, gelo e mantimentos. Fruto de conhecimento acumulado ao longo de décadas. Tem as manhãs de que é quando o rio cobre o ingazeiro que o peixe tá melhor. “ Quando o rio sufoca  a várzea tá tudo certo. O peixe fica bonito”, festeja.

Tatauari, Marajá, Loiro, Socoró, Tarumã e Pixuna, entre outras espécies integram o cardápio dos peixes, ensina Rinaldo. Aqui conheço tudo. Corro o trecho: reserva do Paruru, Volta do Mutum, Ilha das Pombas e por aí vai.

Na viagem vai linha, rede, tarrafa e arpão.  O arpão é uma defesa. Se jacaré tá na tua rede, você cega ele. Tem chovido bem. Mas, ainda não tem fruta caindo.

Um amigo se achega. A pilhéria desenvolve. O amigo é do Amapá. Conta causos de caranguejos e siris.  Associam o chupar caranguejo e siri ao ato sexual de acarinhar a xota da amada. O cantinho explode em risadas. O pescador tem orgulho de ainda trabalhar. Esclarece que o negócio é só. Não anda de cambada. E, nunca teve problemas com a secretaria do meio ambiente ou com o Ibama.

Quando necessário, Rinaldo se defende como pedreiro e adora celebrar a vida. Gosta de cantar. Em nosso prosear recordou de sambas de Chico da Silva, um poeta de Manaus. Com sucessos gravados entre outros artistas, por Alcione, a exemplo de Pandeiro é meu nome.

Ao bater as mãos, Rinaldo relembra entre risos umas estrofes:

Falaram que meu companheiro
Meu amigo surdo parece absurdo

Apanha por tudo
Ninguém canta samba
Sem ele apanhar

Não ouviram que seu companheiro
Amigo pandeiro
Também tira coco do mesmo coqueiro
Apanha sorrindo pra povo cantar

terça-feira, 4 de março de 2025

Marabá 40º: documentário alerta sobre crise climática

O registro do professor Thiago Martins adota como recorte temporal a instalação dos grandes projetos anos de 1980





Bem antes do tema meio ambiente ser alçado à pauta no conjunto da socidade, e palco de disputas por variados setores, já na década de 1980, na transição política, nas paragens do sudeste do Pará, a questão ambiental inquietava um grupo de pessoas articuladas em torno do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp), ONG sediada na cidade de Marabá.

Os tempos eram marcados pelo avanço do grande capital sobre a floresta sob a ideologia desenvolvimentista amparada na ideia de polos de desenvolvimento.

Nesta direção exploração de madeira, pecuária, extrativismo mineral e geração de energia foram alçados como prioriidades. Tempos do Programa Grande Carajás, na época, classificado como a rendenção do país.  

O modelo concetrador de terra e renda, socializou entre a sociedade toda ordem de passivo social e ambiental. Assim, a região consagraou-se como o locus onde mais de mata gente na luta pela terra, trabalho escravo e desmatamento.  Situação que se agravou quando da efetivação de um polo de produção de ferro gusa.

O documentário Marabá 40º, do professor Thiago Martins, recupera uma fração neste período e atualiza com os dias atuais. Educadores, trabalhadores rurais, moradores das periferias integram a polifonia do registro.

O documentário aponta como as altas temperaturas que tem tornado quase que inabitável a vida localmente, bem como as constantes secas, que comprometem a reprodução econômica, política, social e cultura do diverso universo camponês da região. 

Os relatos advertem sobre as dificuldades na produção das roças com a agravamento a cada ano das crises climáticas, os problemas de saúde provocados em idosos e crianças.  Espia AQUI